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Cultura é currículo

Tuna Serzedello, Coordenador Cultural do Colégio São Luís, escreve sobre como criar um ambiente escolar de produção e vivência cultural e apresenta as premissas da nossa prática, em que pesquisar, criar oportunidades e fomentar a cultura é um objetivo cotidiano de todos

A cultura é o conjunto de formas e expressões que caracterizam, no tempo, as diferentes sociedades. Por conjunto de formas e expressões, entende-se os costumes, as crenças, as práticas comuns, as regras, as normas, os códigos, as vestimenta, as religiões, os rituais e as maneiras de ser que predominam nas pessoas que a integram.

Em um ambiente escolar, a fruição cultural é um objetivo cotidiano, pois é na escola em que se aprende, divulga e avalia a produção cultural, a partir das matérias escolares e dos seus desdobramentos na sociedade. Além disso, está presente como prática em normas e valores da própria instituição e seu modus operandi.

Na definição do pesquisador Teixeira Coelho, no livro O que é ação cultural, “não deveria ser muito complicado saber o que é cultura. Cultura é o que move o indivíduo, o grupo, para longe da indiferença, da indistinção; é uma construção, que só pode proceder pela diferenciação. Seu oposto é a diluição. (…) Os pontos básicos do ato de cultura: perceber e distinguir.”

Segundo essa definição, os identificadores de uma escola da Companhia de Jesus, pautados no Projeto Educativo Comum (PEC), nas competências gerais perseguidas pela formação do CSL e no IB Learner Profile do currículo IB (International Baccalaraute) encontram eco na construção das habilidades e competências dos alunos por meio da ação cultural.

Ação cultural x ação educativa

Ainda segundo Teixeira Coelho, ação cultural e ação educativa são elementos distintos, mas não opostos. Existe uma distinção entre ação cultural e fabricação cultural. A ação cultural é aberta, com foco no processo e visa à tomada de consciência e posicionamento. A fabricação tem por objetivo a aprendizagem de técnicas e suas interpretações existentes. Na primeira, criamos o novo, e, na segunda, entendemos o que já foi feito e aprendemos a fazer dessa maneira. Coelho (2012) afirma:

 “A diferença entre uma coisa e outra fica bem clara nas situações-limite. A cultura, em suas manifestações radicais (como a arte), procura e viabiliza o êxtase, o sair para fora de si, sair do contexto em que se está para ver outra coisa, para ver melhor, para ver além, para enxergar sobre, acima, por cima, para ver por dentro. A educação, embora pudesse ser outra coisa, em sua situação extremada com sinal negativo tem funcionado como o exato oposto ao ex-stase, ao estar fora: ela é o stase, o estar, quer dizer, partir daqui para voltar aqui mesmo, permanecer, metaforicamente preparar-se para o que está, para o que existe, integrar-se ao que existe. São dois projetos de natureza e objetivos bem diversos que as utopias tentaram combinar, quase sempre desastradamente (…) A fabricação cultural procura valorizar a obra de arte em si, ou os produtos culturais de modo geral. Com a ênfase dada ao tratamento e transmissão das linguagens formais estéticas que deveriam servir para o desenvolvimento de indivíduos plenos. A ação cultural trata de valorizar a pedagogia de transformação de indivíduos isolados em grupos estruturados cujos membros compartilhem um mesmo conjunto de valores, capazes por isso de reforçar os laços comunitários através da desalienação dos contatos humanos e, como consequência, levando-os a criar e desenvolver novos projetos.”

O desafio do CSL é ser uma escola que se propõe, ao mesmo tempo, à “fabricação” e à “ação” cultural. E é a atuação de cada educador no contexto escolar que tornará isso possível.

Os agentes culturais

No ambiente escolar, poderemos encontrar inúmeros potenciais agentes culturais entre alunos e professores. “O que faz um agente cultural? Ele mesmo não cria, cria oportunidades para os outros. Este talvez seja o primeiro grande desafio: reconhecer que na ação cultural seu objetivo não é criar diretamente, mas apenas criar as condições para que outros o façam.” (COELHO, 2012)

Nessa categoria de criadores, podemos encontrar diversos agentes em diversos setores. O que precisamos é traçar as margens do que é cultura dentro do ambiente do CSL e qual cultura nos interessa fomentar. A seguir, destaco as premissas de nossa prática:

Cultura é currículo

Cultura é currículo, e também pode (e deve!) estar na matriz curricular, mas essa transcende às salas de aula com sua produção e fruição. Ela existe em um currículo invisível formado a partir das crenças e dos costumes dos nossos alunos, professores, colaboradores e famílias de alunos.

Para que ocorra em sua eficácia, a interdisciplinaridade requer não apenas especialistas nas diversas áreas envolvidas mas, acima de tudo, um projeto que coordene as atividades, para o qual convirjam as ações e que tenha sido elaborado para ser posto efetivamente em prática. Sem projeto não há interdisciplinaridade. Sem projeto não há ação cultural.” (COELHO, 2012)

Cultura no currículo

Interessa ao CSL divulgar e fomentar descobertas a partir das matérias ordinárias ensinadas aos nossos alunos nas áreas do conhecimento. Os titulares dos componentes curriculares são os primeiros responsáveis por estabelecer e dissimular uma cultura relativa à sua área de conhecimento. De cada assunto ensinado, os docentes e os estudantes devem ampliar sua base de conhecimento, propondo atividades culturais que transcendam as fronteiras da sala de aula e ganhem os corredores da escola, o bairro, a cidade e o mundo, seja presencialmente, seja virtualmente.

Expressões culturais complementares ou dinamizadoras dos conteúdos e também atividades relacionadas à fruição cultural, ligadas diretamente à competência citada na Matriz Curricular como “repertório cultural”, devem ser previstas e organizadas em todos os níveis educacionais, adequados à faixa etária das crianças e dos jovens e em conformidade com a política cultural do CSL e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Fé e cultura

A Espiritualidade Inaciana, em especial, a fé católica e cristã, transmite cultura e se expressa a partir dos seus símbolos e celebrações. Como escola da Companhia de Jesus e professantes da fé católica, devemos promover, como previsto nos identificadores de uma escola da Companhia: “católica, comprometida com uma profunda formação espiritual e em diálogo com outras religiões e visões de mundo”.

Devemos entender que os fenômenos religiosos são plenos de cultura viva e, por isso, precisam ser profesados e vivenciados. Os eventos de cunho espiritual e religioso devem ter uma programação especial e seguirem o calendário das datas oficiais.

Currículo invisível

A cultura expressa a partir do currículo dos projetos transversais como o “Projeto de Vida”, “Projeto Democracia e Participação” e “Projeto de Orientação Profissional”, que revelam uma visão de mundo, uma experimentação de modelos e regras culturais, visando ao aprimoramento de práticas e à busca de soluções por parte dos alunos de questões relacionadas ao seu próprio desenvolvimento. Chamamos de “currículo invisível” aqueles temas transversais, que embora não sejam ensinados formalmente, são aprendidos a partir da convivência no ambiente escolar e se tornam os responsáveis, em boa parte, por questões ligadas à relação entre professores e alunos, alunos e alunos, família e escola. Trata-se de questões invisíveis, mas difíceis de se ignoradas, como o bullying, afetividade e sexualidade, aspectos socioemocionais, prevenção ao uso de drogas, organizações políticas e boas escolhas – em especial no que diz respeito à saúde (física e mental) e profissional.

Além disso, configuram-se como temas que, se ignorados, acontecerão da mesma forma. A política de não enxergá-los, não garante que desaparecerão. O currículo invisível é responsabilidade de todos no ambiente escolar e precisamos criar programas, por Segmento, para tratar o tema. Novas ações a serem criadas devem levar em consideração a necessidade de “tornar visível o invisível”, por meio de programas cujos critérios e rúbricas possam mensurar o seu desenvolvimento.

Cultura e as expressões artísticas

Interessa ao CSL a fruição, o estudo e desenvolvimento das expressões artísticas, tais como a dança, a música, o teatro, o cinema, a literatura (em suas variadas formas e idiomas) e as artes visuais. É de fundamental importância o contato com realizações artísticas das mais diversas expressões para que possamos, além de criar repertório cultural, desenvolver o poder de observação, o gosto pessoal, o pensamento abstrato e científico, as relações entre os conhecimentos adquiridos e a resolução de problemas, a partir da observação das soluções dos outros.

Cada segmento da escola deve pensar, pesquisar, fruir e compor uma agenda de apreciação das mais variadas formas artísticas, interna e externamente ao ambiente escolar, com o objetivo de cumprir com a missão do CSL e de uma escola jesuíta de tradição viva. Um ambiente em que todos estão pesquisando e fruindo cultura é um ambiente em que se produz e se vive cultura.

“Os jovens vivem a tensão entre as tendências à homogeneidade cultural e a emergência de uma sociedade humana intercultural que respeite a diversidade e dela se enriqueça. A lógica da economia do mercado conduz à homogeneidade. Pelo contrário, a juventude aspira à diversidade que corresponde ao exercício da liberdade e abre espaços criativos para contribuir ao surgimento de uma sociedade humana intercultural. A partir daí podem empenhar-se na construção social de uma cultura de defesa, que garante um ambiente sadio para os meninos, meninas e jovens, de modo que sejam criadas condições para desenvolverem todas as suas potencialidades como seres humanos.” (Colégios Jesuítas: Uma tradição viva no século XXI. Um exercício contínuo de discernimento, 2019).

 

Antonio Eduardo Serzedello de Paula ‘Tuna’

Coordenador Cultural do CSL e Coordenador de CAS do currículo IB

*E-mail: antonio.paula@saoluis.org

Referências

COELHO, Teixeira. O que é ação cultural. São Paulo, Brasiliense, 2012.

Colégios Jesuítas: Uma tradição viva no século XXI. Um exercício contínuo de discernimento. ICAJE (Comissão Internacional do Apostolado da Educação Jesuíta), Roma, Itália, setembro de 2019.

Our Way of Proceeding: Standards & Benchmarks for Jesuit Schools in the 21st Century. Jesuit Schools Network, Canada and United States Assistancy, Washington, D.C.

Projeto Educativo Comum (PEC). Rede Jesuíta de Educação (RJE BRA), Edições Loyola, 2016.

Projeto Pedagógico – CSL 2020.