Notícias

Ser presença em um contexto híbrido

Beatriz Gallian, coordenadora do Ensino Fundamental II, fala sobre o conceito de distância transacional

A pandemia nos trouxe muitos prejuízos, mas também muitos aprendizados. Autonomia, criatividade, diálogo, são alguns ganhos desse período. Distância, isolamento, solidão…essas são perdas irreparáveis. A palavra distância, como o dicionário nos apresenta, deixa de ser o “espaço entre dois corpos”, ou, em geometria ” comprimento do segmento de reta que liga dois pontos”, e passa a ser algo fundamental que, antes de espaçar os corpos, ou os pontos, nos priva do olho no olho, do contato, do tato, do suspiro, do calor humano. Nosso desafio, desde o lugar onde nos encontramos, é amenizar a distância, aproximar, mesmo distante, ou, como já cantava a música… “estar longe dos olhos, mas perto do coração”.

No âmbito da Educação não faltaram ideias, planos, atividades criativas, motivações, e todos os recursos remotos para suprir algo que, genuinamente, é presencial. O colégio, originalmente, é o lugar da aprendizagem, em todos os sentidos. É o local do encontro, do desenvolvimento das relações, dos valores, da referência e compartilha com a família a responsabilidade pelo desenvolvimento da criança e do adolescente. O que fazer, portanto, para diminuir essa distância e proporcionar ao educando momentos de aprendizados, e mais ainda, aprendizado significativo?

“O que fazer, portanto, para diminuir essa distância e proporcionar ao educando momentos de aprendizados, e mais ainda, aprendizado significativo?”

Trata-se de um desafio grande, mas havemos de reconhecer que a tecnologia esteve absolutamente a nosso favor. Insistíamos em propagar a tecnologia como um espaço indispensável, mas sempre com o viés do “bom uso”. Muitas vezes no papel de vilã, hoje é compreendida como grande parceira, a verdadeira “salvadora da pátria”. Novos hábitos adquirimos a partir de então. Aulas on-line, conferências, webinars, reuniões, o que anteriormente constituía como segunda opção, passou a ser a necessidade premente de fazer a coisa acontecer. A modalidade on-line responde à nossa nova realidade. É a nova cultura. É o normal. Arrisco a dizer que não é novo, mas será duradouro. Isso porque novas descobertas também foram feitas. No mundo corporativo, na dinâmica do trabalho remoto, as empresas concluíram que, prédios inteiros, escritórios, logísticas caras podem e devem ser suprimidas, afinal o remoto foi tão positivo, as empresas continuaram lucrando, o comércio se adaptou ao delivery, e as relações passaram a ser virtuais. Economia para alguns setores, prejuízo para outros.

Nosso ambiente – o escolar – exige presença. A interação se torna virtual, mas a comunicação demanda muita escrita. As plataformas dão conta disso, aproximam a imagem, mas não permitem aproximação real. Atualmente, a teoria da “distância transacional”, formulada por Michael Grahame Moore, em 1993, traduz essa dinâmica: “A interação de professores e alunos em ambientes que têm características especiais do seu ser espacialmente separados um do outro, afeta profundamente tanto o ensino quanto a aprendizagem. Com a separação surge um espaço psicológico e comunicacional a ser transposto, um espaço de potenciais mal-entendidos entre as intervenções do professor e as do aluno”. De acordo com Moore, para que os resultados da aprendizagem em qualquer curso de educação a distância sejam maximizados, a distância transacional precisa ser minimizada ou encurtada.

Esse foi nosso grande desafio. O colégio se reinventou, as plataformas educacionais, insisto, foram fundamentais, mas os professores demonstraram, mais uma vez que, para educar e ensinar, não basta transmitir o conteúdo. Educar vai além, e ao que constatamos, souberam lidar muito bem com essa situação. A estrutura do programa, os projetos, a dinâmicas das aulas foram modificadas da noite para o dia. Ao longo do percurso sofreram reformulações, mudanças de planos, curadoria de conteúdos. Fizemos escolhas, colhemos frutos, aprendemos, reaprendemos, inventamos e reinventamos.

No Colégio São Luís, para minimizar essa “distância transacional” nos orientamos por algumas diretrizes:

  • Potencializar a experiência de aprendizagem do estudante
  • Incentivar sempre o diálogo
  • Estimular a autonomia do estudante
  • Priorizar a organização, a estrutura pedagógica do projeto educativo do CSL

A analogia que se faz com um voo é bem pertinente. Decolamos com um destino, mas ao longo do trajeto sofremos várias turbulências, mudamos a rota, escapamos de tempestades, entramos em outras, baixamos e subimos a altitude, mas no final, estamos chegando ao destino. Nosso desejo, portanto, é que, o quanto antes nos livremos desse vírus, dessa doença, e possamos nos rever sem restrições, interagir, sentir a presença. Essa é a grande lição.

“O colégio se reinventou, as plataformas educacionais, insisto, foram fundamentais, mas os professores demonstraram mais uma vez que, para educar e ensinar, não basta transmitir o conteúdo. Educar vai além […]”

A literatura também nos ajuda nessas lições. Dante Alighieri, grande escritor e poeta italiano, escreveu uma das obras mais importantes da literatura clássica mundial, A divina comédia. Ele propôs uma viagem ao inferno, ao purgatório e ao paraíso. Ao adentrar no inferno, Dante se depara com criaturas horríveis e com a frase: “deixai aqui toda a sua esperança”. O que mais esperar desse local? Mas como sempre urge pensarmos, nem tudo estava perdido, pois recebe, neste momento, a ajuda e guia de um grande poeta, Virgílio. É ele que irá guiá-lo até o paraíso, não sem antes passar pelo purgatório. O purgatório foi descrito como lugar de espera, reflexão. A caminho do paraíso, ele o entrega à Beatriz, sua musa inspiradora, pois a Virgílio lhe é negada a entrada, e é ela que conduzirá Dante até o destino.

Que assim como o poeta, passemos do desespero à esperança. Esperança de saúde, empatia, amizade, contato, e acima de tudo, presença.  Aqui dou voz a outro grande escritor, Homero, em sua Odisseia:  é próprio do humano sair, mas também voltar. Que nosso retorno integral seja o mais breve possível, e possamos, o quanto antes, continuar nossa grande missão educativa, no espaço escolar que tem como condição de existência a presença.

Beatriz Gallian – Coordenadora do Ensino Fundamental II