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Missão: vivenciar para aprender

Alunos que participaram de viagem de voluntariado no Pará relacionam suas experiências aos conteúdos de aula

No final de junho de 2017, oito estudantes da 2ª série do Ensino Médio do Colégio São Luís integraram, a convite do colégio jesuíta Santo Inácio (do Rio de Janeiro), o Projeto Arapiuns – Missão Anã. Trata-se de um programa piloto de vivência numa comunidade ribeirinha, que ocorre pela segunda vez com a participação de alunos do Santo Inácio e pela primeira vez com estudantes do São Luís.

Acompanhados por educadores dos dois colégios, o grupo de 18 pessoas rumou a Santarém e, de barco, chegou à comunidade de Anã, à beira do rio Arapiuns, afluente do Tapajós. “Em Anã não há luz elétrica, nem linhas telefônicas, nem sinal de telefone celular, o que significa também ausência de acesso à Internet”, conta Caroline Freitas, educadora da Humanística que viajou com o grupo.

Com o objetivo de participar da vida da comunidade, os alunos dormiram em redes e participaram da rotina da escola Nossa Senhora de Fátima por cinco dias. Lá, brincaram com as crianças, ofereceram oficinas para complementar os conteúdos sobre higiene e saúde já estudados na escola e promoveram uma conscientização sobre doenças e outros temas. A preparação desse conteúdo foi realizada antes da missão, em reuniões semanais entre paulistas e cariocas por videoconferência.

De propósito, a data da missão coincidiu com três eventos esperados pela comunidade: o Sarau, uma grande festa de celebração da cultura e dos costumes locais, com a participação dos estudantes da escola local; a Ação Social, dia de resolver pendências com órgãos do governo, como tirar RG, tomar vacinas e realizar testes para HIV etc.; e o Dia da Beleza, em que se promovem cortes de cabelo, manicure, maquiagem, pintura facial nas crianças e confecção de bijuterias.

Na volta da missão, os estudantes do CSL prepararam um trabalho transdisciplinar, de 65 páginas, relacionando as vivências no Pará aos conteúdos aprendidos em sala de aula. De relatos sobre a experiência nos idiomas português e inglês até análises sobre o saneamento básico e a obtenção de energia na comunidade, a pesquisa foi entrelaçando os conteúdos que os estudantes tinham acabado de ver nos livros de Biologia, Física, Geografia, História, Religião…

“A imersão em uma realidade tão distinta da que estamos acostumados, em uma situação em que estávamos lá para praticar o princípio inaciano de “em tudo amar e servir”, nos permitiu perceber quais são as coisas que importam na vida e aquelas que não fazem diferença”, comenta Caroline Freitas.

Confira a seguir os relatos de estudantes do CSL que participaram da missão:

Anã Pier 2017

Rafael Gandelman Neves
Para mim, Anã foi mais que só uma viagem, mais que só um lugar, foi o choque de realidade que eu precisava para voltar a querer fazer algo para a pessoas. Antes de conhecer aquelas pessoas e as histórias delas, o Pará era só mais um estado enorme cheio de floresta, mas sem um rosto. Agora, no entanto, aquela mata da gente, eu sei, que tem gente igual a gente, com rostos, sonhos e futuro. Anã reacendeu uma chama em mim que há muito tinha se apagado aqui em São Paulo, pelo simples fato que não havia necessidade de me importar com o resto do país. Ver os rostos daquelas pessoas simples e humildes, mas cheias de garra e determinação, ver as suas casas, respirar seu ar, nadar em seus rios e, mais importante, ouvir suas histórias, me transformou de muitas formas. O meu aprendizado em Anã foi além de qualquer sala de aula, de qualquer professor, foi a verdade do mundo como ele é, e isso é incomparável e incrível.

Mariana Jorge
Essa experiência me mudou muito. Passar uma semana em Anã, do outro lado do nosso país, com pessoas que não conhecia e vivendo de modo semelhante aos locais foi algo inesquecível. Tivemos que nos superar diariamente, ensinando o que sabíamos e aprendendo sobre o que não conhecíamos. É muito difícil descrever com palavras tudo o que vivenciamos, pois foi tudo muito intenso e as palavras não fazem jus a tudo isso. Lá, aprendi a ser mais aberta ao mundo, ao outro. Aprendi a ver o diferente e aceitá-lo. Vi que sou extremamente privilegiada, tenho tudo o que preciso e também um pouco do que não preciso para viver. As pessoas de lá me inspiraram profundamente, um povo tão simples e sofrido que luta diariamente pelo que acredita, luta para manter a mata de pé, pois isso faz parte deles. Afinal de contas, como diz uma líder comunitária: “Debaixo da mata da gente, tem gente”. Foi difícil vir embora, mas trago no coração pessoas que me acolheram com muito amor e carinho em sua terra, que marcaram minha vida para sempre.

Amanda Martinez
A experiência em Anã é transformadora e surreal. Um lugar completamente fora de nossa bolha onde temos a chance de aprender muito! Aprender a valorizar as pequenas coisas e as oportunidades, aprender a viver em comunidade e a amar e respeitar o próximo, aprender que “debaixo da mata da gente, tem gente”, entre milhões de outras coisas. Lá é um lugar que te torna outra pessoa, faz brotar um desejo de mudar o mundo, porque lá a gente se sente como se pudesse (e a gente pode!).

Vitor Cruz
O antes foi marcado pelo nervosismo, pela ansiedade e pelo medo do desconhecido, mas também pela vontade de partir, de conhecer aquele lugar incrível que estava sempre ocupando minha mente e, principalmente, poder estar lá e ajudar como pudesse. O durante representou o fim de todo o medo e nervosismo, pois uma vez em Anã, que significa “lugar encantado”, percebi que aquele não era um lugar para estes sentimentos, lá era na verdade um oásis, onde podia esquecer tudo isso e viver, mesmo que só um período, a paz. O depois se mostrou bem melancólico, pois a saudade está sempre presente e a vontade de voltar também, mas ao mesmo tempo ele se mostra muito promissor, pois todos aprendemos lições com o que vivemos lá, e agora podemos pôr esses ensinamentos em prática para, talvez, tornar tudo à nossa volta um pouco mais encantado.

Julia Rouanet Carbonell
Antes de ir para Anã, eu achava que não existia nada na região amazônica além de árvores e onças, e, por causa disso, eu estava morrendo de medo antes da viagem. Chegando lá, fiquei muito constrangida e envergonhada com minha visão tão limitada de mundo. Uma comunidade alegre me recebeu de braços abertos, como se já me conhecessem há muito tempo, com pessoas incríveis e uma paisagem maravilhosa, como eu nunca tinha visto antes. Todas as pessoas naquele lugar vivem com tão pouco, comparado com o nosso padrão de vida, mas ao mesmo tempo a liberdade em que eles vivem é impagável. Lá eu aprendi muito mais do que eu jamais poderei ensinar para qualquer pessoa, pois eles me fizeram ver como podemos viver felizes com pouco e ver a beleza nas coisas mais simples.
Mas o ensinamento mais importante para mim veio de Dona Odila, que nos acompanhou durante a viagem inteira: “De baixo da mata da gente, tem gente”. E é esse ensinamento que eu me sinto responsável em levar adiante, e, assim, conscientizar aqueles que pensam que a Amazônia é só um buraco verde no mapa.

Leticia Morais Neto
Antes, eu não queria ir. Estava com medo do desconhecido. Passei duas noites sem dormir. Não parava de falar com a minha mãe. Depois de uma viagem de barco de 4 horas, chego. O primeiro choque que tenho é ao ver crianças brincando no rio. Imediatamente, sem perceber, um sorriso nasce no meu rosto e uma vontade enorme de entrar no rio e me divertir com elas floresce no meu peito.
Agora, eu não queria partir. Eu já fazia parte do desconhecido. Passei 3 dias e 2 noites chorando pensando que um dia eu partiria. Deixaria meus amigos, meus irmãos, minha família. Minha mãe já era a mata, o rio, a floresta, a Dona Odila, que é a água, a terra, o fogo e o ar da comunidade encantada.
Ao partir, uma cena que aperta mais meu coração, que estava quase pulando para fora, pois não queria ir embora. Nossos amigos correndo e entrando no rio com um sorriso no rosto. Como se dissessem: “obrigado pelos momentos e ensinamentos, mas agora já é hora de se despedir”. Acho que meu coração realmente pulou por completo depois daquilo que vi. E eu deixei ele ir, pelas águas do Rio Arapiuns para se reencontrar com meus irmãos e mãe. Sei que ainda volto para procurar meu coração por aquele pequeno lugar, porém de grande importância. Nesse dia até o céu dividiu a nossa tristeza e chorou sobre as nossas cabeças.
Depois de quatro dias no paraíso, me sentia mais em casa do que nunca. Uma casa onde todos são irmãos ligados pela alma. Uma casa onde não se precisa falar para entender. Onde apenas o olhar basta.
Aprendi muitas coisas. Mas uma delas é que, em baixo da nossa mata tem gente, uma gente que é mais gente que nós e que precisamos proteger com nossas garras e todas as forças. Unidos, jamais seremos vencidos.
Obrigada, Anã e todos que participaram dessa inesquecível família.

Álvaro Mello Albuquerque e Almeida
Antes de ir para a comunidade do Anã, estava com medo, principalmente de não gostar da viagem. Durante a viagem descobri: não há como não gostar. Muitas virtudes são desenvolvidas durante a viagem, como a humildade. Ver as crianças terem tão pouco e do mesmo jeito serem tão felizes, me tocou profundamente. As pessoas lá são extremamente receptivas e simpáticas, e com elas aprendi como um “bom dia” com um sorriso no rosto é muito melhor. Aprendi nessa viagem, entre diversas coisas, que “debaixo da mata da gente, tem gente”, como dizia uma das moradoras da comunidade. Precisamos valorizar a beleza que existe na Amazônia e precisamos preservá-la.

 

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