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Ciências da Natureza, Educação e o baixo interesse pelas carreiras científicas

Denise Curi, Coordenadora de Área – Ciências da Natureza do Colégio São Luís, Doutora em Ciências (Química) e especialista em Pedagogia da Cooperação*, escreve sobre como o processo de aprendizagem pode inspirar e engajar jovens para as carreiras científicas 

Em uma sociedade pautada, cada vez mais, pela ciência e tudo o que deriva desse campo do conhecimento, seria de se esperar um crescente aumento do interesse pelas carreiras científicas. Entretanto, no Brasil e no mundo, não é o que se observa, e não é de hoje.

Em um mundo com desafios enormes a serem resolvidos, desafios esses bastante complexos e que, em sua grande maioria, relacionados à Ciência e tecnologia, basta olharmos as 17 ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, proposta pela ONU, faz-se urgente termos crianças, jovens e adultos não só interessados nas carreiras científicas, como também capazes de realmente atuar criticamente e eticamente, tendo consciência da complexidade e da responsabilidade das escolhas realizadas, não apenas no âmbito pessoal, mas as que fazem parte de nossa atuação profissional.

Por mais que se fale em inovação na Educação, ainda temos – não só no Brasil –  uma educação pautada na forma tradicional de ensinar e aprender, em que o estudante apenas recebe informação. Essa foi a escola que frequentei, essa é a escola em que você, leitor, muito provavelmente estudou, essa é a escola que muitos ainda frequentam. Uma escola cujo principal objetivo é treinar alunos para fazer uma prova ao final de anos de escola para ingressar em outra escola, mas que em nada nos prepara e nos motiva para essas carreiras, pelo contrário, nos afasta delas.

Tradicionalmente, o ensino de ciências é, desculpem a palavra, chato, muito chato, baseando-se na transmissão de muita informação: equações, dados, teorias e leis, que são decoradas, memorizadas para a prova e só. Na maioria das escolas, as aulas de laboratório, quando acontecem, são usadas apenas para se confirmar a teoria vista na sala de aula.

Esse modo de se ensinar Ciência talvez fizesse sentido em um tempo em que a informação era escassa, disponível apenas nos livros. Hoje não mais, já que a informação está disponível a apenas um clic. Esse modo de ensinar Ciências não nos possibilita compreender e vivenciar o que é realmente o fazer científico, muito menos ter uma leitura crítica a respeito da Ciência, ou seja, em nada contribui para o tão falado “letramento científico”, que é a capacidade de compreender, interpretar e formular ideias científicas em uma variedade de contextos, assim como tomar decisões pautadas em uma análise crítica desse campo do conhecimento. E, portanto, não nos aproxima das carreiras afins, sejam as da pesquisa acadêmica, as da pesquisa aplicada, as diversas engenharias ou tecnológicas, como Ciências da computação. Como se interessar por programação ou compreender o que significa a Nanotecnologia, a Biotecnologia e a Biomimética? Ou os novos materiais, como os compósitos, o grafeno ou os mais diferentes polímeros e medicamentos?

A Ciência nasceu da observação do mundo natural, da vontade de compreendê-lo e, a partir dele, buscar soluções. Ela nasceu das perguntas que surgem dessa observação e da capacidade de se desenhar investigações e propor modelos/explicações que buscam responder a essas questões. Esse processo acontece em espiral, pois a cada resposta muitas perguntas surgem. É, também, um processo altamente criativo e, ao mesmo tempo, exigente, que demanda organização, flexibilidade, paciência, espírito empreendedor e a capacidade de lidar com o erro.

Se o ensino de ciências acontece, em grande parte, em uma sala de aula desconectada do mundo natural, como levar as crianças e jovens a se encantarem com a natureza, se entenderem tão parte dela como as árvores e qualquer ser que não o ser humano? Como manter viva a curiosidade natural das crianças, filósofas por natureza, já que toda criança observa o mundo e faz perguntas? A observação da natureza é a base da compreensão da interdependência e da complexidade da vida, condição essencialmente necessária para lidarmos com todos os problemas que enfrentamos e pensarmos soluções criativas, algumas inovadoras – outras nem tanto –, para cada um deles.

Em uma escola onde todo o processo avaliativo é realizado principalmente – quando não unicamente ­– por meio de provas, em que só existe espaço para o “certo”, como desenvolver a capacidade de inovar, se errar é sinônimo de fracasso, de incompetência? Se as raras situações de investigação são apenas para confirmar o que já foi apresentado, como desenvolver a capacidade de fazer perguntas, testar hipóteses, propor modelos? Como desenvolver as habilidades necessárias para o “design” de novas soluções tecnológicas?

Não é à toa que educadores de todo o mundo afirmam, já há muito tempo, que o ensino de Ciências precisa se dar através da investigação, com base nas metodologias ativas, em que o aluno é o protagonista de seu aprendizado. Não é à toa que cada vez mais escolas incluem em seus currículos disciplinas como STE(A)M, sigla em inglês, para Ciência, Tecnologia, Engenharia, (Arte) e Matemática, pois o que importa, muito mais do que o conteúdo ensinado, é a qualidade com a qual os conteúdos são trabalhados e as habilidades e competências (relacionadas direta e indiretamente a essas carreiras e à vida) são desenvolvidas, ambos determinados pelos desafios colocados aos alunos e não pelo livro didático. Não é à toa que cada vez mais escolas trabalham com projetos, e, que os conteúdos das Ciências se entrelaçam com todos os outros, assim como na vida e no trabalho: com as questões sociais, políticas e econômicas. E também não é à toa que cientistas renomados se preocupam em detalhar as principais ideias sobre Ciências e sobre o ensino de Ciências, as ideias que os educadores devem se ocupar e se preocupar em trabalhar com seus alunos.

Um ensino de Ciências que coloca o aluno para “viver” o fazer científico, por meio de projetos, desafios e problemas conectados com a realidade, permitindo uma aprendizagem ativa, possibilita melhor compreensão dos conceitos específicos de cada um dos componentes que integra as Ciências da Natureza e o desenvolvimento de competências e habilidades específicas deste campo do conhecimento humano. Possibilita, ainda, o desenvolvimento da criatividade, do pensamento crítico, da ética, da cooperação, da capacidade de pensar soluções para os desafios imensos enfrentados pela humanidade, desafios esses que, como dito anteriormente, exigem um conhecimento mínimo dessa área, para que as escolhas feitas se baseiem nas reflexões acerca da complexidade do mundo em que vivemos.

Um ensino de Ciências pautado nessas considerações prepara o jovem não apenas para uma prova, importante sem dúvida, mas o prepara para a realidade que ele já vive e a que ele irá encontrar: a de um futuro em que não temos respostas fáceis nem garantidas.

Foi por levar em consideração todos esses aspectos que a nova Matriz Curricular do Colégio São Luís 2020 coloca a investigação no centro do ensino de Ciências. Para que isso possa sair do papel e transformar-se em realidade, estamos em um processo intensivo de formação docente, que busca apoiar o professor no próprio processo de aprendizagem, levando-o a vivenciar as chamadas metodologias ativas e a repensar suas práticas em sala de aula. Os encontros fazem parte das 4 horas semanais de formação docente remuneradas pelo Colégio, com momentos de imersão em novas metodologias didáticas com base na aprendizagem ativa, de aprofundamento e apropriação da nova Matriz Curricular e com produção, pelos docentes, de novos planos de aulas para já serem aplicados neste ano.

A formação implica revisão dos conteúdos a serem trabalhados, de modo que os objetivos de aprendizagem propostos em nossa nova Matriz Curricular possam ser alcançados, ou seja, escolhendo cada um deles em função das habilidades e competências que queremos desenvolver de maneira gradativa ao longo de toda a vida escolar – da Educação Infantil ao Ensino Médio – para que a aprendizagem seja cada vez mais integrada e integradora.

Além da nova Matriz Curricular, nos guiamos pelos princípios da educação integral e integradora propostos pela Pedagogia Inaciana, e pelo conceito de “grandes ideias da e sobre Ciências”: ideias fundamentais que todo cidadão letrado cientificamente deve ter conhecimento para poder atuar com crítica e responsabilidade ética.

Podemos citar dois exemplos dessas “grandes ideias”: a de que todo material no Universo é feito de partículas muito pequenas, os átomos, íons e moléculas, responsáveis pelas propriedades que conhecemos destes materiais, e que a aplicação da Ciência frequentemente tem implicações éticas, sociais, econômicas e políticas.

Temos plena confiança de que os professores que passarem por esse processo oferecerão um curso muito mais inspirador e engajador e, em breve, veremos muito mais alunos empreendendo por carreiras relacionadas às Ciências e suas tecnologias e, principalmente, capazes de fazer escolhas e se posicionar diante do mundo com a consciência e a responsabilidade de que precisamos.

*e-mail: denise.curi@saoluis.org

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